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Responsabilidade Socioambiental das Empresas

Muitas vezes, nós tomamos conhecimento sobre a iniciativa de empresas na área social e ambiental através de propagandas, campanhas e da mídia. Contudo não temos acesso a informações quanto à efetividade destes programas. Quais são seus resultados? Eles realmente conseguem impactar positivamente na sociedade? Como podemos saber disso?

O economista Christian Travassos, mestre em Ciências Sociais pelo CPDA/UFRRJ, pesquisou o Programa Caras do Brasil, do Grupo Pão de Açúcar, e nos ajuda a entender os resultados deste programa.

Esperamos que outros pesquisadores possam nos trazer este tipo de informação sobre os projetos socioambientais das empresas.

Esperamos mais ainda que outras empresas possam assumir a responsabilidade socioambiental delas e ajudem a construir uma sociedade melhor!

A seguir, disponibilizamos o artigo escrito por Christian Travassos para Revista Plurale.

RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DAS EMPRESAS NO VAREJO E COMÉRCIO JUSTO: UM ESTUDO SOBRE O PROGRAMA CARAS DO BRASIL, DO GRUPO PÃO DE AÇÚCAR

Leia a íntegra da Dissertação, apresentada em 2010Clique para ver PDF

Por Christian Travassos, economista e mestre em Ciências Sociais pelo CPDA/UFRRJ

A necessidade de minorar problemas relacionados à exclusão social e à degradação ambiental, bem como de dar visibilidade às iniciativas empresariais nesse sentido, tem estimulado a oferta de produtos e serviços associados a processos mais inclusivos e menos predatórios. A bibliografia recente sobre o tema indica que esse processo ocorre também no caso do varejo brasileiro, em alguns casos sintonizado ao movimento do comércio justo (fair trade).

Pela importância de se debater caminhos para a viabilidade e sustentabilidade de estratégias nesse sentido, Travassos (2010) identifica elementos que possam incentivar ou dificultar a implementação de estratégias de responsabilidade socioambiental das empresas articuladas ao comércio justo, com base em um estado das artes sobre o tema e em uma pesquisa exploratória com fornecedores do programa Caras do Brasil, pelo qual o Grupo Pão de Açúcar comercializa produtos apoiados em princípios sociais e ambientais. O autor analisa em que medida uma iniciativa nessa linha pode contribuir para o acesso de produtores de setores populares da economia ao mainstream do mercado consumidor.

O contexto no qual o programa Caras do Brasil nasce e se desenvolve é marcado tanto por oportunidades de negócio, quanto por tensões e limites. As análises mais otimistas sobre essa crescente incorporação de responsabilidades sociais e ambientais por grandes empresas vão no sentido de que há maneiras de se desenvolver atividades econômicas mais sustentáveis dos pontos de vista social e ambiental. As contribuições teóricas a favor têm como uma de suas bases a área conhecida como Negócios e sociedade, com destaque para trabalhos de Caroll, Donalson e Dunfee, Frederick e Wood. Na contramão, há autores que se baseiam nos conceitos de direito de propriedade, de Friedman, e na função institucional, de Leavitt, para criticar o movimento de responsabilidade social das empresas. As contribuições mais céticas associam tal processo a uma estratégia de marketing voltada para um nicho de mercado sensível a questões socioambientais.

Sem dúvida, as circunstâncias em que iniciativas de comercialização de produtos pautados pela questão socioambiental têm se viabilizado são desafiadoras. Porém, a evolução recente do tema junto aos segmentos empresariais e muitas experiências em curso em distintos mercados, indicam também amadurecimento de modelos e práticas, face à gravidade dos problemas ambientais e sociais em curso no Brasil e no mundo.

Para Travassos (2010), a estratégia de aproveitar o que, por ora, se revela um nicho de mercado verde, no qual o consumidor valora condições econômicas, sociais e/ou ambientais ao longo da cadeia produtiva, envolve uma série de tensões. Entre estas, o autor destaca cinco questões encaradas por iniciativas que abarquem simultaneamente responsabilidade socioambiental das empresas no varejo e comércio justo: A) o custo geralmente mais alto de produtos considerados ecologicamente corretos; B) a necessidade de se aliar a busca por aumento de produtividade – exigida pelo grau elevado de competição dos mercados -, e maximização de lucros ao respeito às diferentes dimensões da sustentabilidade; C) o fato de o consumo verde estar sujeito às vicissitudes que caracterizam a ação coletiva; D) o risco de o comércio justo restringir-se a um nicho de mercado elitizado e, portanto, de alcance limitado; e E) as dificuldades de logística encaradas por produtores de setores populares da economia distantes de grandes centros urbanos.

Nesse contexto, a dissertação apurou que, na média, 72,8% da produção dos fornecedores do programa Caras do Brasil entrevistados são vendidos para outras regiões, em alguns casos, inclusive, tendo como destino o exterior. As dificuldades envolvidas dialogam com o quadro traçado por Clay (2002), no qual aparecem: a) controle de qualidade rigoroso vigente em outros mercados; b) problemas de comunicação, tanto no trato com clientes quanto no beneficiamento dos produtos; c) necessidade de capital; d) burocracia para exportação; e e) problemas no processo de coleta. Uma das principais dificuldades citadas pelos fornecedores para vender ao Caras do Brasil relacionou-se à irregularidade dos pedidos, com 44,8% de afirmativas, enquanto a mais citada referiu-se à logística, por 55,2% dos entrevistados.

Conquanto, ainda que iniciativas nessa linha estejam sujeitas a tais dificuldades e a preços relativamente mais altos ao consumidor, em função de localização e processo produtivo peculiares, e sejam alvo de críticas pela baixa participação nas vendas totais de grandes redes varejistas e por não contemplarem um número maior de empreendimentos, os resultados da pesquisa com os fornecedores do Caras do Brasil indicaram saldo consideravelmente positivo a favor da iniciativa. Ao menos para estes fornecedores, a questão fundamental apurada está no fato de a participação do programa no escoamento da produção ter se revelado significativa. Tanto que, em média, pelo estudo, quase 40% das vendas totais dos empreendimentos pesquisados tinham como destino as gôndolas do programa, sendo que, para mais de 20%, a absorção era de 50% a 75% e, para quase 15%, foi superior a 75%.

O fornecimento de um volume elevado de produto ocorre concomitante a um patamar médio relativamente menor para os preços pagos pelo Caras do Brasil em comparação à concorrência. Para 27,6% dos entrevistados, os preços do Pão de Açúcar apareceram, em média, 23,6% abaixo daqueles pagos por seus demais clientes, o que levou a média geral para o campo negativo: -6,1%. Já para 65,5%, os preços eram iguais entre Pão de Açúcar e outros clientes; e, para 6,9%, os valores pagos pelo Caras do Brasil superaram em 6,7%, em média, os dos demais compradores. Em outras palavras, para cerca de um quarto dos produtores, uma parcela superior a 20% de diferença “para baixo” no valor pago pelo Pão de Açúcar poderia indicar dificuldades para que esse grupo fornecesse ao programa, ao passo que abre espaço para críticas ao programa, especialmente por parte da vertente do comércio justo que defende maior rigidez na observância dos princípios originais do movimento. No entanto, além da questão do volume transacionado, apenas um dos sete ex-fornecedores entrevistados associara o fim do fornecimento ao preço pago pelo Pão de Açúcar. Os resultados apurados pela pesquisa, portanto, indicaram que preços eventualmente mais baixos pagos pelo programa são mais do que compensados por uma quantidade relativamente elevada de produto comercializada.

A relevância do programa para os fornecedores ficou evidente também no caso da hipótese de descontinuidade das compras do Caras do Brasil. Para quase 60% dos entrevistados, neste cenário, haveria ou houve perdas de receita e/ou imagem e para aproximadamente 17%, o resultado seria a inviabilidade do empreendimento, mesma proporção dos que apontaram a dispensa de trabalhadores ou cooperados. Apenas para cerca de 14%, o fim do fornecimento não mudaria significativamente as condições vigentes do empreendimento.

Vale ressaltar ainda que os fornecedores destacaram contribuições do programa para além das vendas propriamente ditas. Para mais de 85% dos entrevistados, o programa deu maior visibilidade aos produtos comercializados e, para quase 80%, agregou-lhes credibilidade. O Caras do Brasil ainda facilitou parcerias institucionais para mais de 60% dos fornecedores.

É bem verdade que estratégias com este perfil enfrentam obstáculos significativos no mercado, por guardarem características peculiares e serem levadas adiante por setores populares da economia, muitas vezes com acesso restrito a oportunidades educacionais, crédito, infraestrutura etc.. Por outro lado, a despeito dessas dificuldades, a reprodução de experiências em curso e seu amadurecimento, somados ao surgimento de outras mais jovens, muitas destas abordadas em distintos pontos da dissertação, apontam para oportunidades latentes no mercado. Tanto que, na hipótese de o programa Caras do Brasil fazer pedidos maiores, os fornecedores foram unânimes em afirmar que teriam condições de atender.

Para Travassos (2010), parecem coerentes os indícios favoráveis à viabilidade econômica do programa, entre os quais o fato de o resultado de 2009 do Caras do Brasil ter se mostrado o melhor desde seu lançamento, em dezembro de 2002. Além disso, embora nem todos os 29 empreendimentos pesquisados se considerassem ativos em outubro de 2009, na ocasião, esta parcela era de 75,9% ou 22 fornecedores. Chamou atenção ainda, entre estes, o aumento médio de aproximadamente 27% da quantidade fornecida ao Grupo Pão de Açúcar na comparação com períodos anteriores.

O autor, assim, afirma que o programa, nos termos sobre os quais se apóia, contribui com oportunidades de negócio para algumas dezenas de fornecedores de setores populares da economia, seja do ponto de vista da comercialização direta, seja indiretamente, pelas vias citadas. As críticas freqüentes feitas, hoje, à responsabilidade socioambiental das empresas e ao comércio justo não deixam de ser relevantes e de merecer atenção no contexto em que se situa o programa. Entretanto, os resultados da pesquisa indicaram que, para os fornecedores, não pareceu importar absolutamente: 1) se a participação do Caras do Brasil no total comercializado pelo Grupo Pão de Açúcar é relativamente pequena; 2) se a listagem de fornecedores do programa não é mais expressiva; 3) se sua razão de ser está em uma estratégia de marketing verde – greenwash; 4) se o Grupo Pão de Açúcar adota outras estratégias que não se coadunam com a emergência socioambiental; ou 5) se as vendas ao Caras do Brasil estão circunscritas a um nicho e não ao mainstream de mercado.

Além da participação significativa do programa no escoamento da produção e das questões relacionadas à imagem dos produtos e das organizações, os fornecedores apontaram para uma condição, em termos de pessoal treinado e renda, melhor com a parceria ativa com o Pão de Açúcar do que na hipótese de sua interrupção. O programa fez crescer o número de pessoal treinado para quase 70% dos entrevistados e “ajudou muito” a aumentar a renda de 55,2%. Mesmo nos casos em que, com o programa, as condições do empreendimento não eram das melhores, pior seria prescindir dele.

Por fim, além das questões econômicas e sociais, o estudo enfocou o modo pelo qual programas como o Caras do Brasil podem incentivar a sustentabilidade ambiental no âmbito local, a partir de informações sobre perfil dos produtos comercializados e uso de recursos naturais, entre outros pontos. Os resultados apontaram que, para 41,4% dos fornecedores, vender para o Caras do Brasil não levou a mudanças significativas no uso de recursos naturais, enquanto para 31,0%, houve aumento no uso de fibras e para 27,6%, maior uso de outro recurso natural. A pesquisa apurou ainda que 55,2% dos entrevistados dispõem de mão de obra treinada em manejo e 41,4%, em coleta, percentuais que não podem ser considerados baixos se considerarmos que muitos produtores não colhem matérias primas diretamente no meio ambiente, mas as compram no mercado.

Fontes bibliográficas:

ASHLEY, Patrícia A. A mudança histórica do conceito de responsabilidade social empresarial. In: ASHLEY, Patrícia A. (Coord.). Ética e responsabilidade social nos negócios. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

CLAY, Jason. Pronatus: fabricação de produtos de higiene pessoal e suplementos nutricionais em Manaus, Amazonas. In: ANDERSON, Anthony e CLAY, Jason (org.) Esverdeando a Amazônia: comunidades e empresas em busca de práticas para negócios sustentáveis. São Paulo: Peirópolis; Brasília, DF: IIEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2002.

FRANCO, Nancy. A contribuição do varejo para o desenvolvimento sustentável de produtores comunitários. In INSTITUTO ETHOS. Responsabilidade Social das empresas: a contribuição das universidades. Vol. 5. São Paulo: Peirópolis, 2006.

FRIEDMAN, Milton. The social responsibility of business is to increase its profits. New York Times Magazine, New York, 13 set. 1970.

GELMAN, Jacob Jacques; e PARENTE, Juracy. Varejo socialmente responsável. Porto Alegre: Bookman, 2008.

JONES, Marc T. Missing the forest for the trees: a critique of the social responsibility concept and discourse. Business and Society, Thousands Oaks, v. 35, n. 1: 7-41, Mar. 1996.

LAYRARGUES, Philippe. A cortina de Fumaça: o discurso empresarial verde e a ideologia da racionalidade econômica. São Paulo: Annablume, 1998.

PARENTE, Juracy Gomes; GVCEV. Responsabilidade social no varejo: conceitos, estratégias e casos no Brasil. São Paulo: Saraiva: GVcev, 2006.

TRAVASSOS, Christian. Responsabilidade socioambiental das empresas no varejo e comércio justo: um estudo sobre o programa Caras do Brasil, do Grupo Pão de Açúcar. 2010.

issertação (Mestrado de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2010.

VEIGA, J. E. da. A Emergência Socioambiental. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.

VELOSO, Letícia H. M. Ética, valores e cultura: especificidades do conceito de responsabilidade social corporativa. In: ASHLEY, Patrícia A. (Coord.). Ética e responsabilidade social nos negócios. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

Artigo publicado originalmente na Revista Plurale em fevereiro de 2011.

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