A Ecomarapendi é a ONG (organização não-governamental) responsável pela Recicloteca. Além do centro de informações de meio ambiente e reciclagem, oferece diagnóstico participativo, estudos de impacto ambiental e de vizinhança, treinamento e capacitação. Entre em contato pelo email contato@ecomarapendi.org.br
Fechar janela

Clima não é mais evento esporádico para agricultura é fator permanente

Por Sérgio Abranches – ecopolitica

Há alguns anos um amigo meu me procurou para saber porque eu havia centrado parte de minhas análises na questão da mudança climática. Respondi que considerava que esse seria o fator determinante da economia política do século XXI, impulsionaria a inovação tecnológica e transformaria os padrões de produção e consumo da economia global.

Ou isso aconteceria, ou teríamos um cataclismo climático. Sou otimista e acho que isso de fato ocorrerá, embora com atraso e, por isso, custos e sacrifícios maiores que os necessários. Por isso, como analista de macro processos, passei a considerar a mudança climática como um dos fatores centrais de minhas análises. Debatemos muito esse assunto e ele me disse que começava a ver sinais disso na agricultura.

O portfólio de sua empresa de consultoria econômica tem uma forte participação de grandes empresas do agronegócio. Ele passou a observar, também, a agricultura com a visão da mudança climática. Ontem, ele fez uma frase decisiva sobre o que ocorreu desde aquela nossa conversa: “o que era aleatório virou permanente”. Nos últimos sete anos, a agricultura global foi sacudida por eventos extremos em todas as partes do mundo.

Em 2006, a agricultura mundial foi afetada por chuvas intensas na França, Inglaterra e Alemanha; seca na Ucrânia; ondas de calor na Itália e na Grécia; seca na Austrália; no Canadá chuvas intensas no plantio em 2005 e seca na colheita em 2006.

Em 2007 os eventos climáticos extremos atingiram novo pico. Os meses de janeiro e abril foram os mais quentes desde 1880. Monções severas provocaram chuvas intensas e enchentes no sul da Ásia. Chuvas de intensidade fora do comum castigaram a Europa, a China, o Sudão, Moçambique e o Uruguai. As enchentes no Uruguai foram as piores desde 1959. Ondas de calor atingiram o sudeste da Europa e a Rússia. Nevascas incomuns ocorreram na África do Sul e na América do Sul. Argentina e Uruguai tiveram um de seus mais rigorosos invernos. A Inglaterra e o País de Gales experimentaram o maior volume de chuva entre maio e junho desde 1766, que provocaram enchentes extensas. Na Alemanha o mês de abril foi o mais seco desde o início do século XX e o mês de maio o mais chuvoso de que se tem registro.

Em 2008, nos Estados Unidos, nevascas recorde cobriram o país de Leste a Oeste. Nevascas e tempestades atingiram extremos em várias partes do Canadá. No EUA, vários estados entraram em estado de emergência por causa de enchentes ou excesso de neve. O país também foi castigado por tornados em frequência e intensidade incomuns, tempestades fortíssimas, furacões e ondas de calor. No Brasil, Chile, Panamá, Porto Rico, Costa Rica, Honduras, Cuba, China, Índia, Sri Lanka, Argélia, Ucrânia, Romênia, Etiópia, Togo, Filipinas, Yemen, Vietnam e Austrália chuvas muito intensas provocaram enchentes, destruição e mortes. Foi o ano do furacão Ike e das tempestades tropicais Hanna, que matou mais de uma centena de pessoas no Haiti, Fay e Bertha, a mais longa da história. Tufões atingiram vários países da Ásia. Foi um ano brutal.

O ano de 2009 começou com o tufão Morakot desalojando mais de 1 milhão de chineses. Violenta onda de calor atingiu vários estados do EUA. A seca no Texas foi muito intensa. Na Califórnia, a pior seca de sua história. O país também sofreu com fortes tempestades e enchentes, tornados e nevascas, com muitas vítimas fatais. Tempestades recorde no período das monções castigaram Bangladesh e Índia. Houve seca em Mumbai. Chuvas intensas no Vietnam, nas Filipinas e na Europa. Enchentes mataram na República Checa.

No Brasil, tempestades e enchentes mataram em São Paulo, no Maranhão, no Amazonas, na Bahia, no Ceará e no Piauí. No sul, seca intensa prejudicou a agricultura.

Enchentes gigantes e fatais atingiram o estado de Queensland na Austrália, também atingida pela pior onda de calor de sua história. A Argentina também teve uma das piores secas de sua história, que destruiu grande quantidade de gado e plantações.

As chuvas e enchentes causaram muitas vítimas, também, no Haiti, em Moçambique, Vietnam, Filipinas e Fiji.

Uma onda de calor castigou a China e o país enfrentou a sua pior seca em 50 anos. A Inglaterra e a Espanha foram atingidas por fortes nevascas.

O ano passado, 2010, foi considerado o ano mais mortal em uma geração. Foum ano de extremos ainda mais violentos. Fora os eventos climáticos que marcaram o ano, terremotos e erupções vulcânicas causaram caos em muitos lugares e muitas mortes. Foi um ano anormalmente quente, ficando 0,53 graus Celsius acima da média de 1960-1990. O calor foi particularmente forte na África, em partes da Ásia e do Ártico. Em muitas regiões dessas áreas, as médias ficaram entre 1,2 e 1,4 graus Celsius acima da média de longo prazo. Pontos de calor excepcionais foram registrados, em dezembro, no leste do Canadá e na Groenlândia.

Ao mesmo tempo, temperaturas frias fora do comum marcaram o inverno no norte e no oeste da Europa com temperaturas médias que chegaram a ficar até 10 graus Celsius em algumas regiões da Noruega e da Suécia. Na parte central da Inglaterra foi o mais frio dezembro desde 1890. Na Rússia também foi bem mais frio que a média. Pesadas nevascas castigaram vários países da Europa e a parte leste dos Estados Unidos, onde as temperaturas no final do ano ficaram abaixo da média histórica.

As monções de verão na Ásia foram fortíssimas em algumas regiões. Por causa dessas chuvas pesadas, a maior precipitação desde 1994 e a quarta maior de que se tem registro, o Paquistão enfrentou a pior enchente de sua história, matando milhares e desalojando milhões de pessoas. A maior parte de sua área agrícola foi inundada. As chuvas de verão foram também bastante pesadas na Índia ocidental e na China, que viveu a sua pior enchente causada pelas monções de verão desde 1998. As monções foram inusitadamente fracas, porém, particularmente no nordeste da Índia e em Bangladesh, que teve a mais seca monção desde 1994.
O verão foi cruel, também, para o Hemisfério Norte, com ondas de calor extremo em várias partes da Eurásia. A mais extrema delas teve seu centro na Rússia ocidental. O calor anômalo atingiu Finlândia, Ucrânia, Belarus, partes do sudeste da Europa e a Sérvia.

Ao verão extremo, seguiu-se um violento inverno com temperaturas extraordinariamente baixas. Essa onda de frio afetou a maior parte da Europa, exceto o Mediterrâneo, a parte asiática da Rússia e a Mongolia. Foi o inverno mais frio da Escócia e a Irlanda, desde 1964. O inverno foi muito seco em algumas regiões, como na Noruega ocidental. Severa tempestade de inverno, Xynthia, atravessou o noroeste europeu, produzindo ventos fortíssimos e grandes chuvas particularmente na França. Em Portugal, Espanha, Itália e sudeste europeu foi um inverno muito chuvoso, com a precipitação média bem acima do dobro da média.

Na região do Saara a temperatura ficou quase 4 graus Celsius acima da média de longo prazo, a maior anomalia já registrada para qualquer mês. O Canadá viveu seu mais quente inverno já registrado com a temperatura média nacional 4 graus Celsius acima da média de longo prazo. Foi também o inverno mais seco já registrado no Canadá, prejudicando alguns eventos das olimpíadas de inverno em Vancouver.

Já nos Estados Unidos o inverno foi mais frio que o normal, exceto no noroeste e no nordeste do país. Na média nacional, foi o mais frio desde o de 1984-1985 e muitas regiões do sul do Texas para o leste tiveram um dos 10 mais frios invernos já registrados. Temperaturas muito abaixo da média histórica provocaram pesadas nevascas no leste. Em Washington, D.C. foi a precipitação de neve foi recorde absoluto.

As chuvas da primavera castigaram a Indonésia e a Austrália, Benin, Tailândia e Vietnam. Os três últimos enfrentaram enchentes significativas em outubro. Na Europa Central, houve grandes enchentes em maio, particularmente no leste da Alemanha, na Polônia e na Eslovaquia. No final de junho enchentes castigaram Romênia, Ucrânia e Moldava. Foi o agosto mais chuvoso da Alemanha.

As enchentes atingiram duramente, também, nosso continente. Em novembro, a Colômbia teve a mais severa enchente dos últimos 30 anos. Em abril, as enchentes atingiram o Rio de Janeiro.

A ilha do Madeira, viveu enchentes significativas em fevereiro, o Arkansas e o sul da França em junho.

Mas houve também secas severas. A seca no período de julho a setembro foi rigorosa, secando quase inteiramente o rio Negro, na Amazônia brasileira. Um pouco antes, a seca já havia atingido a Guiana e as ilhas do leste do Caribe. As províncias de Guizhou e Yunman na China tiveram os mais baixos índices de precipitação já registrados entre setembro de 2009 e meados de março de 2010. O Paquistão também enfrentou seca no começo do ano. Embora as chuvas tivessem posto fim à mais longa e severa seca da história da Austrália, o período de janeiro a outubro de 2010 foi o mais seco já registrado no sudeste do país.

As calamitosas condições de 2010, infelizmente, se estenderam pelo mês de janeiro deste ano. No começo do mês, mais de 800 mil pessoas foram afetadas por enchentes no Sri Lanka. Enchentes e deslizamentos atingiram duramente, também, as Filipinas. Na Austrália, Brisbane, capital de Queensland, ficou debaixo d’água. O estado de Victoria também enfrentou extensas enchentes.

No Brasil, vivemos nossa pior tragédia associada ao clima, com os deslizamentos da região serrana do estado do Rio de Janeiro, que devastaram Nova Friburgo, partes inteiras de Teresópolis e Petrópolis e mataram centenas de pessoas.

Essa lista de fatalidades e extremos climáticos ao longo de vários anos me parece mais que suficiente para justificar a conclusão de meu amigo consultor: “o aleatório virou permanente”. A agroindústria e a agricultura familiar foram duramente afetados em todo o mundo. A oferta de alimentos caiu. Os grãos foram duramente atingidos, mas não só eles. A demanda continuou a subir. As novas tendências gerenciais e exigências sanitárias reduziram fortemente a formação de estoques alimentícios. A inflação nos preços das commodities agrícolas e dos alimentos “não comercializáveis”, aqueles que não entram no comércio internacional, aumentou e permanece alta. É uma inflação climática. Quem acha que ela é passageira, ainda está na era do clima que atingia a agricultura de forma descontínua. O aleatório virou permanente. O mais provável é que a agricultura mundial enfrente praticamente todo ano condições climáticas pouco favoráveis. Ela tem que se adaptar, nós temos que nos adaptar.

Fonte: ecopolitica

Se você quiser seguir a Recicloteca no Twitter, clique aqui.

Gostou dos textos? Detestou? Queremos saber!
Deixe aqui seus comentários, criticas e sugestões!
Estamos fazendo o blog para vocês e
ele é uma construção conjunta.
Ajude-nos a melhorá-lo!

Este texto está protegido por uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional
Link para atribuição de créditos: http://www.recicloteca.org.br?p=4175

Gostou desse post?

A Ecomarapendi é a ONG (organização não-governamental) responsável pela Recicloteca. Além do centro de informações sobre meio ambiente e reciclagem, oferece diagnóstico participativo, estudos de impacto ambiental e de vizinhança, treinamento e capacitação.

Assuntos relacionados

Compartilhe nas redes sociais

Deixe um comentário