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Sobre o “pacto” EUA-China de descarbonização

Por José Eli da Veiga –  agrônomo, economista e professor da USP

Para que se faça uma avaliação do que parece ser a melhor notícia de 2014, será necessário ter em conta o contexto histórico mas geral da questão. Por isso, pode ser útil a leitura (ou releitura) do curto epílogo do livro A Desgovernança Mundial da Sustentabilidade (Ed. 34, 2013), transcrito abaixo:

“Ainda deve durar muito tempo a desgovernança da sustentabilidade, cujas consequências foram avaliadas nos dois últimos capítulos. E deve durar, sobretudo, porque tal desgovernança resulta do descompasso histórico entre atividade econômica e ordem política. A acelerada globalização da primeira vem sendo acompanhada por inevitável resistência da segunda, devido ao aprofundamento dos processos de soberania nacional, que nem sempre estão sendo acompanhados por avanços da democracia, como deixa patente o caso extremo da China.
Por isso, deve-se supor que, tanto quanto a estabilidade e a paz globais, uma governança efetiva da sustentabilidade dependerá essencialmente da relação que essa nova grande potência mantiver com os Estados Unidos. Como enfatiza Henry Kissinger, uma guerra fria entre esses dois países impediria o progresso por uma geração dos dois lados do Pacífico e disseminaria as disputas por influência nas políticas de cada região, justamente quando questões globais como proliferação nuclear, mudança climática e segurança energética exigem uma intensa cooperação global.Se tal suposição não estiver equivocada, todos os possíveis avanços de governança global dependerão muito da força que vierem a adquirir os “neoconservadores” americanos e os “triunfalistas” chineses, pois ambos os lados apostam na inevitabilidade do conflito, acreditando que o sonho chinês será forçosamente o pesadelo norte-americano, por mais que seja viável uma ascensão tranquila da China.

A alternativa disponível é a aposta na construção de uma “Comunidade Pacífica”, adequada à coevolução da relação sino-americana. Com ela, os dois países poderiam buscar seus imperativos domésticos, cooperando sempre que possível e se ajustando de modo a minimizar o conflito. Um lado não endossaria todos os objetivos do outro, muito menos presumiria total identidade de interesses, mas ambos buscariam identificar e desenvolver interesses complementares.

É fundamentalmente dessa alternativa que depende um acordo no G-20 para que seja destravado o maior de todos os determinantes da sustentabilidade: o processo de descarbonização. Em vez de esperar que em 2015 surja algum consenso sobre metas de redução das emissões dos sistemas produtivos nacionais, aplicáveis somente a partir de 2020, muito melhor seria um acordo sobre a tributação do consumo de carbono, mesmo que restrito aos 45 países que estão no G-20. Tal resolução daria um impulso crucial à inovação tecnológica no âmbito das energias renováveis, enquanto a menos nociva das energias fósseis, o gás, ajudaria nessa transição.

Isso significa que pode ter menos importância do que parece a chamada “trajetória avançada” da União Europeia, Coreia do Sul e Japão, assim como a tendência “conservadora” da Índia e da Rússia, que foram tão enfatizadas por Eduardo Viola e colegas. Incomparavelmente mais importante é saber em que ritmo os Estados Unidos e a China “avançam de forma moderada”.

Ainda mais distante da avaliação feita acima está aquilo que Sérgio Abranches considerou em 2010 ser uma “agenda realista, factível e relevante”: introduzir no veio multilateral formal da ONU o Acordo de Copenhague, para que fosse fortalecido e aprofundado, como processo voluntário, por adesão, mas que poderia se tornar cada vez mais politicamente vinculante.

O que a governança da sustentabilidade pode sim esperar da ONU é que tenha êxito seu procedimento já em curso para que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) venham a substituir, em 2015, os atuais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), por mais que seja simplesmente impossível saber se tais ODS serão adequados à necessidade de redução das Pegadas Ecológicas do Norte, com simultânea redução das desigualdades socioeconômicas globais. Mesmo na hipótese de que venham a sê-lo, será necessário muito tempo para que comecem a ter impactos efetivos na orientação das políticas nacionais.

Tudo isso parece indicar que, além de ser demasiadamente otimista, pode não ter sentido algum a previsão evocada no prólogo deste livro, segundo a qual uma virada rumo a um mundo sustentável poderia ocorrer em 2020, separando a atual etapa de “turbulência” de uma “época da transformação”. O mais provável é que turbulência e transformação continuem em franca simbiose, e que jamais se estabeleça tal alternância ou clara dominância de uma sobre a outra.”

Fonte: zeeli2012 mailing list

Leia mais sobre: EUA e China anunciam acordo para reduzir emissão de gases poluentes

Imagem: zelmar.blogspot

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