A Ecomarapendi é a ONG (organização não-governamental) responsável pela Recicloteca. Além do centro de informações de meio ambiente e reciclagem, oferece diagnóstico participativo, estudos de impacto ambiental e de vizinhança, treinamento e capacitação. Entre em contato pelo email contato@ecomarapendi.org.br
Fechar janela

O lixo, agora entre avanços e dúvidas

Por Washington Novaes* – Jornal O Estado de São Paulo

Dois dias antes do último Natal, ao regulamentar por decreto a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que já sancionara, o então presidente da República, acertadamente, incluiu a não-geração do lixo, a redução, a reutilização, a reciclagem e o tratamento de resíduos sólidos como opções prioritárias, antes de pensar-se em incineração. Restabelece, assim, a direção correta, ameaçada pelo Senado que, ao aprovar o projeto da Política, suprimiu dispositivo que só permitia a queima de resíduos sólidos quanto esgotadas as outras opções. O projeto deveria ter voltado à Câmara – já que fora modificado. Mas não se fez isso, como já acontecera com a Lei da Ficha Limpa. O projeto foi à presidência e ali sancionado, sem qualquer reparo.

Agora, corrige-se a má direção, mas ainda com uma ameaça no ar. O decreto deixa uma brecha, ao estabelecer que “a recuperação energética” de resíduos sólidos “deverá ser disciplinada em ato conjunto dos ministérios do Meio Ambiente, Minas e Energia e das Cidades”, no máximo em 180 dias. Embora ovacionado pelos membros de cooperativas de catadores de lixo ao assinar o decreto durante o congresso que reunia seus membros, o então chefe do governo federal deixou brecha que pode até prejudicá-los. Porque cabe perguntar: que acontecerá no ato disciplinador sabendo-se a força dos lobbies de empresas de incineração de lixo, quase todos ligados a mega-empreiteiras da área de construção, hoje com forte influência nas mais altas políticas brasileiras, principalmente nas áreas de energia, projetos habitacionais e até meio ambiente (vide licenciamento de controvertidas hidrelétricas na Amazônia)? Corretamente, porém, o decreto distingue da incineração de resíduos o aproveitamento em biodigestores ou a utilização de gases oriundos da decomposição de matéria orgânica em aterros sanitários.

De qualquer forma, além de estabelecer aquelas prioridades, o decreto prevê penalidades se não cumprida a obrigação de coleta seletiva (44% dos municípios brasileiros não a fazem) e a logística reversa que torna obrigatório o retorno, aos fabricantes, de itens como pilhas, pneus, produtos eletrônicos, entre outros. Haverá multas pesadas, de até R$50 milhões, para quem lançar resíduos sólidos em locais como praias ou não der destinação adequada a resíduos perigosos. Será obrigatória a substituição de lixões (existentes em pelo menos 50% dos municípios) por aterros, assim como a elaboração de planos de gestão também nos municípios e Estados. A coleta em qualquer lugar precisará no mínimo separar lixo orgânico (úmido) do lixo seco, para facilitar a reciclagem. E as cooperativas de catadores (há cerca de um milhão deles no país) terão linhas preferenciais de financiamento.

É um terreno no qual precisamos avançar muito e com urgência. As usinas de reciclagem do poder público no país só reciclam entre 1 e 2% do lixo domiciliar e comercial (o total é de pelo menos 230 mil toneladas diárias, segundo o IBGE 2002). A situação – como tem sido dito tantas vezes neste espaço – só não é mais dramática graças à atuação desse milhão de catadores que, sob sol e chuva, sete dias por semana, recolhem e encaminham, a empresas que os reciclam, mais de 30% do papel e papelão e parcelas consideráveis do plástico, do vidro, do pet, do alumínio e de outros materiais.

Mas os catadores precisam de projetos integrados em que, com financiamentos públicos, tenham equipamentos adequados de coleta seletiva (caminhões com containers separados para lixo úmido e seco), com convênios remunerados pelas prefeituras, além de usinas de reciclagem onde possam transformar papel e papelão em telhas revestidas de betume (para substituir com vantagens as de amianto), reciclar o PVC e produzir mangueiras pretas, compostar o lixo orgânico e transformá-lo em fertilizante, moer o vidro e encaminhá-lo para recicladoras, assim como latas de alumínio. Onde isso é ou já foi feito (como em Goiânia) a redução de lixo encaminhado ao aterro chega a 80%, com enorme economia para o poder público, livrando-o da dependência de grandes empresas de coleta, que hoje recebem mais de R$15milhões por dia para coletar e levar para aterros ou lixões.

Esse processo permite também evitar o desperdício de materiais. Já se mencionou aqui estudo da UNESP de Sorocaba, concluindo que 91% dos resíduos contidos no lixo de Indaiatuba (mais de 100 toneladas/dia) seriam reaproveitáveis ou recicláveis. Permitiria ainda aliviar parcialmente o drama das grandes cidades brasileiras, quase todas com seus aterros esgotados ou próximos disso e, alegadamente, sem recursos para implantar novos aterros. A partir daí, surge a pressão das empresas de incineração. E por esse caminho Recife já parte para uma usina de incineração de 1350 toneladas diárias (no momento com licença ambiental embargada pelo município do Cabo). Unaí, MG, tomou o mesmo caminho. Barueri já está promovendo licitação para incinerar 750 toneladas diárias. São Sebastião ameaça seguir o mesmo rumo, assim como Brasília e a Baixada Fluminense (nesta, inclusive, com um projeto em Santa Cruz para incinerar resíduos perigosos).

Muitos estudiosos da área, como Cícero Bley Jr., já se cansaram de citar os problemas da incineração: custos muito altos; emissão dos cancerígenos como furanos e dioxina (a não ser que a temperatura esteja acima de 900 graus – o que é difícil com a mistura de lixo úmido, que baixa a temperatura); produção de escória altamente perigosa (com metais pesados e outros tóxicos que são carreados para os rios); geração de gases em proporção maior que usinas termelétricas – entre outros problemas. Não é acaso que a resistência a esse processo cresça no mundo e já haja países que o proíbam. Sem falar em dependência tecnológica.

Vamos ver agora que farão os três ministérios encarregados de regulamentar a “recuperação energética” de resíduos.

* Washington Novaes é jornalista.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S. Paulo.

Gostou dos textos? Detestou? Queremos saber!
Deixe aqui seus comentários, criticas e sugestões!
Estamos fazendo o blog para vocês e
ele é uma construção conjunta.
Ajude-nos a melhorá-lo!

Este texto está protegido por uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional
Link para atribuição de créditos: http://www.recicloteca.org.br?p=3529

Gostou desse post?

A Ecomarapendi é a ONG (organização não-governamental) responsável pela Recicloteca. Além do centro de informações sobre meio ambiente e reciclagem, oferece diagnóstico participativo, estudos de impacto ambiental e de vizinhança, treinamento e capacitação.

Assuntos relacionados

Compartilhe nas redes sociais

Deixe um comentário