CARTA DE SÃO PAULO
- Há uma ameaça real à segurança hídrica no Sudeste
Em médio e longo prazo esta situação se complica ainda mais, uma vez que as demandas tendem ainda a crescer. É evidente a necessidade de obras para aumentar a capacidade de reservação e distribuição dos sistemas, obras estas que levarão um tempo considerável para serem concluídas.
Este risco aumentado de escassez hídrica já está afetando a saúde pública, as economias local e regional, a produção de energia e de alimentos, a segurança coletiva das populações urbanas e rurais, ampliando de modo significativo a vulnerabilidade destas populações, os conflitos pelo uso da água e, portanto, o risco socioeconômico. Os impactos já identificados na produção de alimentos podem ter reflexo direto na economia brasileira, e é fundamental que haja uma reflexão sobre a mudança do modelo produtivo. Existem opções de produção de alimentos mais equilibradas e com importante economia de água, diminuindo a deficiência hídrica e reduzindo as perdas na agricultura por seca.
- Ar, água e solo poluídos comprometem os usos múltiplos dos recursos hídricos
O excesso de poluição impede a utilização da água e suas causas são relativamente bem conhecidas pelos gestores e pelas organizações que controlam e monitoram a qualidade da água, do ar e do solo. Em essência, temos limitada quantidade de água devido ao pouco cuidado com a qualidade.
Esta crise não afeta somente as populações humanas. Ela atinge os serviços dos ecossistemas, a biodiversidade aquática e compromete a sustentabilidade de rios, represas, lagos, áreas alagadas e águas subterrâneas, seja pela escassez de água ou pelo excesso de poluição. Episódios de infestações com espécies exóticas e aumento de toxicidade nos ecossistemas aquáticos, com comprometimento dos usos múltiplos dos recursos hídricos e consequente aumento de riscos à saúde pública têm sido recorrentes na RMSP, nas Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) e nos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Constatou-se também que, a menos que ocorram no mínimo 25% acima da média de chuvas previstas para este verão, a atual escassez não será minorada. Esta constatação torna-se mais expressiva quando se constata que as obras necessárias para aumentar a capacidade de reservação dependem de um longo tempo para serem implementadas, não constituindo, portanto, uma solução emergencial para a atual crise.
Assim, recomendamos às autoridades municipais, estaduais e federais as seguintes ações:
- Modificações imediatas no sistema de governança de recursos hídricos
As alterações devem ser implantadas de forma a promover mudança da gestão setorial, de resposta e em nível local, para uma gestão preditiva, integrada e em nível de ecossistema (bacia hidrográfica), levando em conta os processos ecológicos, econômicos e sociais. A água deve ser reconhecida e gerenciada como bem social, de domínio público, devendo ser assegurado a todos, indistintamente, o acesso equitativo aos recursos hídricos, com segurança e qualidade.
Como se faz nos países avançados – Austrália e Oeste norte americano, por exemplo -, é preciso utilizar mecanismos econômicos para que, numa situação de crise, a água seja destinada prioritariamente para consumo humano (como determina a Lei 9433/97), com a devida compensação financeira para os setores da economia que, temporariamente, fiquem sem acesso pleno aos corpos hídricos (irrigação, por exemplo).
- Implementação de planos de contingência
Em particular, a seca de 2014 revelou a necessidade de se ter um “plano B” para São Paulo. É preciso dotar a região metropolitana de infraestrutura para trazer água de algum manancial “reserva”, que não seja usualmente utilizado para abastecimento público.
- Uma drástica redução do consumo de água e outras medidas emergenciais para 2015
O controle do uso de água e incentivos ampliados para redução da demanda, com acréscimos tarifários em casos de aumento de consumo, são fundamentais. Não basta premiar quem reduz o consumo. É preciso também punir quem aumenta o consumo, como foi feito no racionamento de energia de 2001, ou mesmo impor quotas, como foi feito em Barcelona.
Também devem ser incentivados, desenvolvidos e adotados tecnologias e equipamentos que propiciem o uso racional da água na indústria, na agricultura (processos menos dependentes de água, reutilização, reuso) e nos serviços de saneamento (controle de perdas, poupadores domésticos e não domésticos, reuso).
É necessária a mobilização urgente da população para obter resultados significativos na redução do consumo, acompanhada de processos e mecanismos de comunicação de massa que apresentem de forma clara a necessidade das ações adotadas e busque construir a parceria da população para o alcance das metas estabelecidas.
A promoção de um conjunto de ações emergenciais para enfrentar a crise em 2015 deve envolver, também, reforçar, apoiar e dar todas as condições para a participação ativa e mobilização dos comitês de bacias hidrográficas; a implantação de sistemas de reuso de água; a coleta e armazenamento de água de chuva; projetos de proteção de mananciais – devido ao importante papel da vegetação na recarga dos aquíferos e na manutenção de água de excelente qualidade -, com intenso reflorestamento de bacias hidrográficas, proteção e ampliação de florestas ripárias e proteção de áreas alagadas.
É preciso evitar, ainda, que os previsíveis temporais de verão desmobilizem a sociedade para a necessidade de economizar água, pelo menos enquanto o volume afluente não tiver magnitude suficiente para recuperar os reservatórios.
- Investimento imediato em medidas de longo prazo
Além de exercer todas as ações necessárias à viabilidade técnica, financeira e administrativo-legal que asseguram a disponibilidade e a oferta de água para o atendimento da demanda com segurança, a gestão deve atuar regulatoriamente no estabelecimento dos valores máximos aceitáveis para a demanda.
- Projetos de saneamento básico e tratamento de esgotos em nível nacional, estadual e municipal
Os dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde e pelo IBGE(PNAD) deixam claro que avançamos muito mais na implantação de redes elétricas e de telefonia do que na implantação de redes coletoras de esgotos (diferença de mais de 30%); e mesmo nos municípios onde essa rede coletora atinge índices que, potencialmente, podem ser considerados satisfatórios, verifica-se que o efetivo tratamento dos efluentes se dá de forma muito precária tendo, portanto, um efeito bastante reduzido na diminuição do impacto que o lançamento desses efluentes tem sobre os recursos hídricos.
Por outro lado, já está suficientemente comprovado que para cada real investido em saneamento básico se economiza pelo menos quatro reais em custos dos sistemas públicos de saúde, sem ainda considerar todos os demais ganhos socioeconômicos e ambientais. Dessa forma, são prementes ações que considerem o saneamento como investimento e não como despesa.
- Monitoramento de quantidade e qualidade da água
Além do monitoramento quantitativo, emerge a necessidade de aprimoramento da metodologia de controle para a garantia da saúde pública e da qualidade ambiental, tais como monitoramento dos poluentes orgânicos persistentes (POPs), da toxicidade, com a previsão de ações correspondentes e respectivos responsáveis.
Somente através da integração e análise desses dados de forma multidisciplinar é que a eficiência de medidas preventivas e mitigadoras poderá ser atingida. É preciso fazer com que as informações sejam de mais fácil acesso para os estudiosos e para o público em geral.
- Proteção, conservação e recuperação da biodiversidade
- Reconhecimento público e conscientização social da amplitude da crise
- Ações de divulgação e informação de amplo espectro
- Capacitação de gestores com visão sistêmica e interdisciplinar
São Paulo, 11 de dezembro de 2014.
Carlos Eduardo de Mattos Bicudo
Doutor em ciências biológicas pela Universidade de São Paulo (USP), é pesquisador do Instituto de Botânica de São Paulo. Recebeu a Medalha de Mérito em Botânica Graziela Maciel Barroso pelos relevantes serviços prestados ao desenvolvimento da fitologia no Brasil. É membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Doutor em meteorologia pelo Massachussets Institute of Technology (MIT/EUA). Pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), cedido ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Preside os Conselhos Diretores da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas (Rede CLIMA) e do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Recebeu a Von Humboldt Medal da European Geophysical Union e a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico do Brasil. É membro titular da ABC.
Engenheiro civil, doutorado em recursos hídricos pela Universidade do Estado do Colorado, nos Estados Unidos. É professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Feevale (RS). Recebeu o Prêmio Internacional de Hidrologia da Associação Internacional de Ciências Hidrológicas (IAHS, na sigla em inglês) da Unesco.
Engenheiro civil e hidráulico, com mestrado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). É sócio-diretor da empresa Engecorps e professor de construções hidráulicas e gestão ambiental de obras hidráulicas da USP.
Engenheiro agrícola, com doutorado em hidrologia e matemática pela Universidade Montpellier e especialização em sensoriamento remoto no Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES), ambos na França. É professor do curso de mestrado em agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Doutor em ecologia e recursos naturais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pós-doutorado em ecofisiologia de algas pelo Instituto de Ecologia de Água Doce (Inglaterra). É professor e coordenador do curso de especialização em Gerenciamento Municipal de Recursos Hídricos do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Engenheiro civil, com doutorado em hidrologia e recursos hídricos pela Universidade do Estado do Colorado (EUA). Foi diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA). É professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ).
Mestre em oceanografia pela Universidade de Southampton (Reino Unido) e doutor em botânica pela USP. É professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Universidade Feevale e atua na pós-graduação da Universidade Federal de São Carlos (UFSC). É presidente da Associação Instituto Internacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental (IIEGA) e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia (IIE). É membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e coordenador do seu Grupo de Estudos sobre Recursos Hídricos.
Mestre em engenharia de recursos da água e da terra pela Universidade Nacional Agrária em Lima, no Peru, e doutor em meteorologia pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA). É pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden/MCTI). É membro do comitê científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e da Academia Brasileira Ciências (ABC).
Engenheiro nuclear, com doutorado em física pela PUC-Rio. Foi presidente da Eletrobras. Atua como secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Participa do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). É diretor e professor titular do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ. É membro titular da Academia Brasileira Ciências (ABC).
Doutor em ciências meteorológicas pela Universidade de Buenos Aires (UBA). É chefe da Divisão de Operações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden/MCTI).
Doutora em engenharia civil pela Universidade de São Paulo (USP). É diretora-presidente da Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica (FCTH) e professora titular da Universidade de São Paulo (USP).
Doutorado em engenharia hidráulica e sanitária pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Foi superintendente de Planejamento da Sanesp e superintendente de Planejamento de Saneamento e Recursos Hídricos na Emplasa. É diretor da JNS Engenharia, Consultoria e Gerenciamento Ltda.
Bióloga, com doutorado em ecologia e recursos naturais pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). É membro do comitê gestor do Instituto Nacional para Pesquisa Translacional de Saúde e Ambiente na região Amazônica (INPeTAm) e diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ).
Engenheiro civil, com mestrado em tecnologia ambiental pela Universidade de Brasília (UnB). É especialista em Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA), onde atua como superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos.
Engenheira química, metalúrgica e de minas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora em processamento mineral pela Universidade do Estado da Pennsylvania (EUA). É professora do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da UFMG. Coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Recursos Minerais, Água e Biodiversidade (INCT/Acqua). É membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Fonte: Site ABC .org